domingo, 25 de abril de 2021

LIVRO - O LIVRO DO DESASSOSSEGO

O Livro do Desassossego de Fernando Pessoa é em formato de prosa e não de verso. Mas não é por isso que é menos difícil de ler. O que eu posso dizer, no entanto, é que ele não traz uma história propriamente dita, ele é, na verdade, uma composição de pensamentos autobiográficos, um compilado de trechos interessantes. E é por isso que eu resolvi vir até aqui trazer a vocês alguns deles que eu achei muito pertinentes e que eu gostaria não só de dividir, como deixar registrado:

“Assim como, quer o saibamos, quer não, temos todos uma metafísica, assim também, quer o queiramos, quer não, temos todos uma moral. Tenho uma moral muito simples – não fazer a ninguém nem mal nem bem. Não fazer a ninguém, porque não só reconheço nos outros o mesmo direito que julgo que me cabe, de que não me incomodem, mas acho que bastam os males naturais para mal que tenha de haver no mundo. Vivemos todos, neste mundo, a bordo de um navio saído de um porto que desconhecemos para um porto que ignoramos; devemos ter uns para os outros uma ababilidade de viagem. Não fazer bem, porque não sei o que é bem, nem se o faço quando julgo que o faço. Sei eu que males produzo se dou esmola? Se eu que males produzo se educo ou instruo? Na dúvida, abstenho-me. E acho, ainda, que auxiliar ou esclarecer é, em certo modo, fazer o mal de intervir na vida alheia. A bondade é um capricho temperamental: não temos o direito de fazer os outros vítimas dos nossos caprichos, ainda que de humanidade ou de ternura. Os benefícios dão coisas que se inflingem; por isso os abomino friamente.”

“Ter opiniões é estar vendido a si mesmo. Não ter opiniões é existir. Ter todas as opiniões é ser poeta.”

“A fadiga de ser amado, de ser amado deveras! A fadiga de sermos o objeto do fardo das emoções alheias! Converter quem quisera ver-se livre, no moço de fretes da responsabilidade de corresponder , da decência de não se afastar, para que se não suponha que se é príncipe nas emoções e se renega o máximo que uma alma humana pode dar. A fadiga de se nos tornar a existência de uma coisa dependente em absoluto de uma relação com um sentimento de outrem! A fadiga de, em todo o caso, ter forçosamente que sentir, ter forçosamente, ainda que sem reciprocidade, que amar um pouco também!”

“Se a vida não nos mais do que uma cela de reclusão, façamos por ornamentá-la, ainda que mais não seja, com as sombras dos nossos sonhos, desenhos a cores mistas esculpindo o nosso esquecimento sobre a parada exterioridade dos muros.”

“Na vida de hoje, o mundo só pertence aos estúpidos, aos insensíveis e aos agitados. O direito a viver e a triunfar conquista-se hoje quase pelos mesmos processos porque se conquista o internamento num manicômio: a incapacidade de pensar, a amoralidade, e a hiperexcitação.”

“Não me indigno, porque a indignação é para os fortes; não me resigno, porque a resignação é para os nobres; não me calo, porque o silêncio é para os grandes. E eu não sou forte, nem nobre, nem grande. Sofro e sonho. Queixo-me porque sou fraco e, porque sou artista, entretenho-me a tecer musicais as minhas queixas e a arranjar meus sonhos conforme me parece melhor a minha ideia de os achar belos.

Só lamento o não ser criança, para que pudesse crer nos meus sonhos, o não ser doido para que pudesse afastar a alma de todos os que me cercam, (...)”

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