quinta-feira, 25 de junho de 2020

LIVRO – A TERCEIRA VIDA DE GRANGE COPELAND


Esse foi o livro da TAG Curadoria que chegou em minhas mãos no mês de maio. É a obra de estreia da autora Alice Walker, que tem em seu currículo o clássico A Cor Púrpura, que está na minha wishlist de leituras há tempos.
Apenas para situar o contexto histórico em que viveu a autora e baseado no qual seus livros foram escritos, ela era uma norte americana negra, nascida na parte rural do sul dos EUA numa família numerosa e seus pais ganhavam seu sustento por intermédio de parceria rural que, segundo estudei, em nada diferia da escravidão. Ela foi a única filha a frequentar uma escola, mas foi uma bala de chumbo que lhe tirou a visão de um dos olhos ainda na infância que lhe conferiu um estado de certa reclusão, no qual ela se apegou aos livros.
Já adulta, ela participou das lutas dos negros pelos direitos civis, fez faculdade em Nova York e um intercâmbio em Uganda. Casou-se com um judeu, experimentando um casamento interracial num momento político tão difícil, teve uma filha e tornou-se escritora.
Muito bem. Claro que, uma ativista que viveu um período tão rico e conturbado da história da luta dos negros nos EUA, só poderia trazer em sua escrita essa realidade. Grange Copeland é um agricultor negro na Geórgia. Possui esposa e um filho chamado Brownfield e trabalha de sol a sol para um branco, do qual recebe um salário ínfimo que não lhe dá condições de oferecer o mínimo de conforto para sua família.
“Pairando ao redor dos protagonistas está o racismo, tema que percorrerá toda narrativa. Grange, inconformado com sua situação de miséria, converte sua insatisfação em ódio contra qualquer homem branco. (...) O tempo passa e, como dito, as tensões familiares dos Copeland deixam um rastro de traumas. Entre mortes, abandonos e procuras, Brownfield herda de Grange o ódio à população branca, assim como o espírito auto-destrutivo.”
O problema é que toda essa raiva reprimida é descontada em bebidas e, consequentemente, em sua esposa, que é tratada como um lixo e recebe todo tipo de agressão por parte do marido, seja verbal, seja física. E o filho, além de desprezado, assiste calado a essa situação, reprimindo sentimentos perigosos.
O tempo passa e o que o leitor assiste é a transformação de Brownfield em um modelo piorado do pai. Sem estudo, sem perspectiva de vida, ele acaba se tornando agricultor, trabalhando para os brancos, casando-se e tendo filhos, tal qual Grange. E da mesma forma, toda raiva que sente se sua situação – a qual atribuiu à supremacia branca sobre a negra -, é descontada em bebida e em sua família.
É uma espécie de círculo vicioso, onde as gerações não evoluem e repetem exatamente as mesmas atitudes praticadas pelos pais, as quais eram reprovadas quando crianças. “Ao longo de três gerações, o leitor será exposto a questões que seguem conservadas temporalmente como racismo, machismo, violência doméstica, desigualdade  social e conflitos familiares.”
Abaixo, algumas passagens interessantes que ilustram o resumo.
“Browfield franziu o cenho. A mãe dele concordava com o pai sempre que possível . E, embora tivesse apenas dez anos, Browfield se perguntava por quê. Ele achava que a mãe era como o cachorro deles em alguns aspectos. Não havia absolutamente nada que ela dissesse que não demonstrasse submissão ao marido.”
“Ela queria deixa-los, mas não tinha para onde ir. Não tinha ninguém além de Josie, e Josie a desprezava. Escreveu para o pai, a quem nunca tinha visto, mas ele não se deu ao trabalho de responder à carta. Antes uma mulher roliça, agora era pele e osso. Para Browfield, Mem não lembrava em nada uma mulher. Até seus lindos seios haviam murchado e encolhido; os cabelos caíram e a única coisa boa que podia dizer de si mesma era que se mantinha limpa.”
“-Tá ouvindo, mulher? – Brownfield se virou e colocou os pés no chão com força – A gente vamos se mudar exatamente quando e pra onde eu disser que a gente vamos se mudar. Enquanto eu sustentar essa porra dessa família a gente vai para onde eu mandar. (...) – Eu posso num saber ler nem escrever, mas eu ainda sou o homem que veste as calças nessa família!”
“Ruth não conseguia entender a aversão que Grange sentia aos brancos. Mem a deixava brincar com crianças brancas e, agora, na casa do avô, havia umas maravilhosas, pensava Ruth, no fim da rua. Brincar com elas, porém, estava estritamente proibido. Pelo visto, aquelas crianças não eram, aos seis e sete anos, tão legais quanto pareciam.”
“(...) Eles são malvados. Eles são diabos com olhos azuis. Eles são seus inimigos naturais. Fique longe desses hipócrita, ou eles vai destruir você.”

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